Oportunidades e desafios do cooperativismo financeiro para 2019

O ano que chega traz consigo inúmeras expectativas para todos os cidadãos brasileiros. Um novo governo e um novo Congresso Nacional tomarão posse, com propostas de mudanças e rupturas. Mas o que o setor cooperativista pode esperar para si?

Convidamos dois especialistas do nosso mercado para contarem suas perspectivas para o futuro do Brasil e das cooperativas brasileiras. De um lado, Ênio Meinen, diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob) e autor de diversos artigos e livros sobre cooperativismo financeiro – área na qual milita há 34 anos. Do outro, Mauri Alex de Barros Pimentel, mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, com formação superior em Administração de Cooperativas. Palestrante do ramo crédito, sua experiência profissional inclui atuação executiva em organizações como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Sebrae), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), a Unimed, a Petrobras e o Sicoob. Confira as previsões da dupla:

Diante do novo cenário político e econômico trazido pelas eleições de 2018, quais são as suas expectativas para as cooperativas em 2019?

Ênio Meinen: O cooperativismo deve manter a sua trajetória de ascensão, no campo e na cidade, em todos os setores de atuação. A geração de empregos, que têm crescido entre 5% e 10% nos últimos anos, e a ampliação do nível de renda continuarão tendo contribuição relevante das organizações cooperativas. Vale lembrar que o movimento, dada a sua alta resiliência, se fortalece em intervalos de crise e, com isso, emerge ainda mais forte por ocasião da retomada da dinâmica econômica.

Mauri Pimentel: O cooperativismo representa um importante instrumento de desenvolvimento e transformação empreendedora. Pesquisas mostram que regiões com a presença efetiva de cooperativas apresentam Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) melhor que as demais localidades. Em setores como o agronegócio, que representa mais de 20% do PIB do país, quase 50% de toda a produção do campo passa pelas cooperativas. Na saúde suplementar, o cooperativismo representa mais de 35% do market share do setor e, no Crédito, experimentamos um crescimento virtuoso, com um aumento do número de cooperados próximo de 200% nos últimos 10 anos e um saldo de mais de 92 bilhões em operações de crédito. Portanto, considerando a expressividade já apresentada, a velocidade de crescimento da participação de mercado das cooperativas nos seus diversos setores e as perspectivas de recuperação da confiança internacional e economia local, acredito que as cooperativas brasileiras terão grandes oportunidades nos próximos anos.

Mudanças de governo afetam as cooperativas de alguma maneira? Por quê?

MP: Embora as sociedades cooperativas sejam instituições autônomas e independentes de interferência estatal, mudanças de governo afetam o mercado como um todo e o cooperativismo não está apartado disso. Dependendo das políticas a serem implementadas pelo novo governo, poderemos experimentar impactos positivos ou negativos no cooperativismo brasileiro. Tudo vai depender de como vamos figurar na agenda estratégica do novo governo. Acredito que o Sistema OCB terá papel importante como referência representativa nesse sentido. O fato é que, nos últimos anos, fomos capazes de demonstrar à sociedade brasileira o poder transformador e desenvolvimentista do cooperativismo, com destaque para o segmento de crédito, que vem ocupando papel protagonista na promoção da cidadania financeira dos brasileiros. Espero que o novo governo seja sensível a isso.

EM: A preocupação quanto a essa possibilidade já foi maior. Hoje as virtudes e a essencialidade das cooperativas já são bastante conhecidas. Não há como deixar à margem um setor que representa cerca de 11% de tudo que se produz no país, que responde por meio milhão de postos de trabalho e que gera divisas líquidas anuais de US$ 5 bilhões. Além disso, e por isso, os governos estão vinculados à diretriz constitucional que determina apoio e estímulo ao cooperativismo (art. 174, § 2º, da Carta Magna). Em síntese, o fomento ao empreendedorismo cooperativo já não se situa mais no nível de programa de governo, mas de política de Estado.

E para a economia brasileira, quais são as perspectivas para os próximos anos?

EM: A expectativa é de que o novo governo inicie os seus dias dedicando-se intensamente ao processo de reformas estruturais que o país reivindica. Precisamos, sobretudo, sair da trajetória suicida de irresponsabilidade fiscal que, ao drenar riquezas excessivas para os cofres públicos e especuladores financeiros, impede investimentos e, com isso, adia o sonho de empreendedores, trabalhadores e aposentados quanto a dias melhores.

MP: Do ponto de vista econômico, o Brasil mostra claros sinais de recuperação, mas ainda muito tímidos perto do que a sociedade brasileira precisa e merece. O cenário político, entretanto, ainda me parece nebuloso, uma vez que o novo governo terá de construir suas alianças para garantir a governabilidade e aprovar as reformas para a estabilização econômica e redução do custo da máquina pública, que hoje é um dos maiores do mundo. O que se pode afirmar nesse momento é que o Brasil é um país de enorme potencial econômico, referência no continente latino americano, um dos principais países das chamadas Economias Emergentes (Brics) e tem pela frente um cenário aparentemente positivo no tocante à confiança do mercado internacional e oportunidades de crescimento interno. Dependendo da capacidade do novo governo de aprovar as reformas estruturantes e combater duramente a corrupção, poderemos experimentar dias bem melhores para os próximos anos.

Como as cooperativas podem ajudar o Brasil a retomar a rota do crescimento?

EM: As cooperativas podem ampliar o seu protagonismo como agentes de implementação de políticas oficiais, já que se tratam de empreendimentos próximos e conectados com grande parcela das pessoas e dos pequenos empreendedores destinatários do orçamento governamental. Sem reduzir a importância de outras contribuições, independentemente do ramo, o cooperativismo financeiro tende a ampliar a participação no seu mercado, acentuando os benefícios relacionados à inclusão e à educação financeiras, à intensificação e à melhor distribuição do crédito e à redução dos spreads e das tarifas bancárias. Com essa promoção da justiça financeira, teremos mais cidadania, menos custos para as empresas e mais poupança. Por decorrência, mais recursos para investir. Em síntese, estamos falando de um autêntico círculo virtuoso.

MP: As palavras-chave são “empreendedorismo” e “inclusão”. O caráter aglutinador do cooperativismo propicia que pessoas antes alijadas dos meios de produção — muitas vezes à margem da economia ou exploradas por atravessadores ou players preocupados tão somente com o retorno financeiro de seus acionistas — possam ser inseridas nos sistemas de produção e consumo, por meio de uma alternativa empreendedora que conjuga resultado econômico com justiça social. Na medida em que mais pessoas sejam devidamente incluídas na economia formal, teremos mais produção para alimentar os mercados interno e externo, mais geração de trabalho e emprego, melhor distribuição de renda, maior potencial consumidor no país e, consequentemente, mais recursos alimentando a economia. Desse modo, podemos encarar o cooperativismo como um importante propulsor do desenvolvimento, que devidamente estimulado, representa um ativo estratégico para o novo governo rumo à recuperação da economia nacional.

Quais são os principais desafios internos e externos que as cooperativas brasileiras enfrentarão nos próximos anos?

MP: A tendência de estabilização econômica com consequentes controle do câmbio, redução da inflação e taxas de juros mais baixas impõe às cooperativas a necessidade de investir em ações e políticas que favoreçam o aumento da eficiência, da eficácia e da efetividade na condução dos negócios. A meu ver, isso importará na implementação de boas práticas de governança (estrutura e poder), na disseminação da cultura do planejamento (estratégia e inovação) e no desenvolvimento sistemático da gestão (pessoas e processos).

Somente a partir de investimentos consistentes nesse tripé as cooperativas poderão se manter competitivas e serão capazes de enfrentar adequadamente as intempéries do mercado global em que vivemos.

EM: As inovações tecnológicas certamente continuarão tendo lugar de destaque na agenda de desafios do setor cooperativo, o que exigirá investimentos ainda mais expressivos e desapego em relação aos atuais modelos operacionais. Ganhos de escala e estruturas de apoio eficientes (fazer mais com menos) também serão fatores cruciais para a sustentabilidade do movimento, uma vez que a concorrência trilhará percurso semelhante. Aqui, a propósito, a intercooperação surge como grande oportunidade e necessidade. É chegada a hora, portanto, de encurtar a distância entre o que pregamos e o que estamos fazendo!

Ainda no campo de influência dos líderes e executivos das cooperativas, há que se aprimorar a governança, incluindo a elaboração e aplicação de políticas consistentes de sucessão, pois a geração de pioneiros terá de passar o bastão para novos dirigentes. Por fim, e sem excluir outros temas, o cooperativismo precisa qualificar a sua comunicação com a sociedade e os stakeholders. Hoje empregamos muito mais a linguagem de empresas convencionais – dando ênfase, por exemplo, a grandes números contábeis –, nivelando-nos temerariamente a elas, em vez de jogar luz sobre os diferenciais ligados ao desenvolvimento econômico e à inclusão social. Parece, até mesmo, que temos preconceito em relação ao que fazemos, justamente quando a população clama por um modelo de empresa que tenha o DNA cooperativo!

Em um cenário de fortes mudanças tecnológicas e alta competitividade, como as cooperativas podem equilibrar suas facetas econômica e social?

EM: Não há segredo. A tecnologia pode e deve ser utilizada para facilitar e qualificar a atuação da cooperativa.

MP: Na contramão do que muitos pensam, tecnologia e competitividade não são antagônicos ao empreendedorismo cooperativo. Ao contrário, devem estar a serviço dele assim como o estão em relação a outros empreendimentos de sucesso no mercado. O foco deve ser deslocado do “produto” para a “experiência do público alvo”. Não podemos perder de vista que o cooperado, razão de existência de todo o sistema cooperativo, assume o papel de dono, cliente e fornecedor, dependendo do momento em que está se relacionando com a cooperativa, e essa característica torna a gestão do empreendimento cooperativo significativamente mais complexa do que os demais modelos organizacionais. Portanto, mais uma vez é preciso reforçar a necessidade de profissionalizar a gestão das cooperativas com técnicos que, além dos conhecimentos em boas práticas de gestão e governança, sejam capazes de adaptá-los às nuances próprias do modelo empresarial cooperativo. O segredo do sucesso está, portanto, nas pessoas: naquelas que representam a propriedade (cooperados) e em igual importância nas que representam a gestão (executivos e colaboradores) e o amplo e profundo conhecimento destes sobre a essência do modelo empresarial cooperativo é questão de sobrevivência para essas organizações.

Fonte: Revista Saber Cooperar / Sistema OCB

Bruno Oliveira

Bruno Oliveira

Analista de Comunicação do Sistema OCB/RJ. Formado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte, MBA em Marketing e Comunicação Empresarial e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais.

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