Cooperativismo é a nova economia global

No final de 2018, Gianluca Salvatori, diretor executivo do Instituto Europeu de Pesquisa em Cooperativas e Empresas Sociais (Euricse, na sigla em inglês), marcou presença no último módulo do projeto Conhecer para Cooperar, do Sistema OCB, em Brasília. Destaque na programação, o dirigente discorreu sobre as experiências de cooperativas de saúde ao redor do mundo e, também, sobre inovação. Salvatori concedeu entrevista à Unidade Nacional e falou a respeito do cooperativismo na nova economia global, pautada em um consumo mais ético e responsável. Confira a entrevista.

Como o senhor vê o movimento cooperativista em nível global?

Na Europa, dependendo do lugar e dos efeitos da crise de 2008, o paradigma do desenvolvimento econômico que dirigia nossas economias há cerca de 30 anos passou por profundas mudanças, afetando, inclusive, os lucros das grandes corporações. Tivemos que repensar muita coisa e foi um processo que envolveu as universidades, as políticas públicas e os próprios atores da arena econômica. O que vemos hoje é uma mudança de atitude que valoriza o trabalho coletivo.

É aí que as cooperativas entram. Elas têm, atualmente, mais atenção da opinião pública, porque há mais sensibilidade para olhar essa forma de organização econômica. O que temos observado é que que as corporações tradicionais não estimulam valores nas pessoas, apenas competição.

Ao mesmo tempo, as cooperativas cresceram em termos de geração de emprego, em indicadores como o índice de retenção e passaram a ter um papel essencial como resposta das questões sociais por mostrarem que é possível produzir com respeito aos recursos naturais e às pessoas.

Vejo nos países europeus um fenômeno comum, que é o cruzamento de duas linhas: a economia tradicional em ritmo de desaceleração; e a economia cooperativista, crescendo rapidamente em termos de capacidade de reação nos mercados onde atuam para enfrentar os desafios diários. As cooperativas precisam manter sua dinâmica de valorizar a atitude favorável das pessoas em direção a seus ideais e projetos. Acreditamos que elas têm chance de crescer muito mais, bastando ampliar sua capacidade de reação frente às novas demandas sociais.

Na sua opinião, quais necessidades são ou poderão ser tendências?

Todas que envolvem a segurança das pessoas. Todo mundo precisa se sentir seguro em termos de saneamento básico, emprego e estabilidades diversas. Acreditamos em conexões sociais, que, em função da crise, estão mais desafiadoras. Ou seja, as pessoas nos últimos 60 anos se sentiam protegidas pelo governo. Era como um poder superior, cuidando de nossas vidas, saúde e segurança. Mas hoje isso mudou devido à diminuição do poder do governo, à limitação de recursos financeiros e às questões ligadas à sua legitimidade.

As pessoas não acreditam mais em seus governos e sentem as instituições públicas mais distantes do que nunca. O povo já não acredita que elas sabem o que é melhor para ele, perdendo a confiança nos políticos e na possibilidade de os governos serem ser a chave para resolver qualquer um de seus problemas.

Nesse cenário, o cooperativismo tem uma grande oportunidade, pois tem a habilidade de recriar os links entre pessoas e instituições, ampliando as relações de confiança. As cooperativas também têm nas mãos os mecanismos de atuar como agentes de desenvolvimento social e econômico dos cooperados e demais envolvidos no processo produtivo. O movimento cooperativista não é somente sobre economia. É sobre coesão social, confiança, visão de futuro.

E como as cooperativas podem fazer isso?

O cooperativismo tem a responsabilidade de dar algumas repostas à sociedade, não diretamente as de cunho político, mas associadas ao desenvolvimento, ao crescimento, à transformação. As cooperativas produzem ideias, visões e estratégias para o futuro. Uma das questões que surge nos dias atuais, está relacionada à forma como consideramos a escala do tempo, por exemplo.

As organizações políticas têm uma escala de tempo muito curta. Nossos representantes políticos têm de reagir de acordo com as eleições. Eles olham o que pode ser feito entre o fim de uma eleição e o início da outra, um prazo muito curto para se produzir alguma coisa com comprovada eficácia.

Assim, quem tem a capacidade de olhar para o futuro?

Acredito que o DNA cooperativista tem muito a contribuir. As cooperativas estão entre os poucos sujeitos em nossa sociedade e no cenário econômico que projetam e planejam os próximos 20, 30 anos, mirando as próximas gerações.

Essa é uma das formas de responder às inseguranças do nosso tempo, porque as pessoas sentem que não têm como prever o que acontecer daqui a cinco anos, não sabem o que vai ocorrer com seus filhos ou quando envelhecerem. Muitas das questões problemáticas da nossa sociedade estão relacionadas ao futuro e não o presente.

Então você considera que as cooperativas têm, diante de si, a oportunidade de ocupar os espaços que vão surgir com base na economia do futuro?

Não só a oportunidade, mas a responsabilidade. Estamos na situação ideal para recriar um novo tecido social. Nossa sociedade está perdendo a cola que junta as pessoas, que estão perdendo seus ideais, sua vontade de trabalhar por um ideal comum. As cooperativas podem mudar isso, independentemente do setor que atuam, propondo um ideal coletivo de recursos humanos para que tenhamos um futuro mais promissor para todos.

Não há setor específico em que eu vislumbre oportunidades para as cooperativas. Elas estão em todos os lugares. Onde quer que as pessoas precisem de respostas para suas necessidades, ali as cooperativas terão condições de se fortalecerem.

E como as cooperativas de saúde, por exemplo, podem ser preparar para o futuro?

Um dos exemplos de como as cooperativas podem se beneficiar está na área da saúde. Há um processo de mudança na nossa sociedade. As pessoas estão envelhecendo, vivendo mais do que no passado e de uma maneira mais problemática do que nos anos 80, 90. Precisamos pensar em como as cooperativas médicas poderão continuar atendendo seus clientes. Esse é bom cenário sobre o qual as cooperativas médicas podem refletir.

Fonte: Somos Cooperativismo / Sistema OCB

Bruno Oliveira

Bruno Oliveira

Analista de Comunicação do Sistema OCB/RJ. Formado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte, MBA em Marketing e Comunicação Empresarial e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais.

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