O que o cooperativismo brasileiro pode aprender com o movimento na Europa?

Responsáveis pela maior parcela de cooperados em diversos países, o ramo crédito tem se consolidado ano após ano como parte essencial da estrutura econômica de diversos países. No Brasil, um dos principais polos do cooperativismo no mundo, ele concentra mais de 13,9 milhões de cooperados, distribuídos em 763 cooperativas em todo o país, segundo levantamento do AnuárioCoop – Dados do Cooperativismo Brasileiro.

Tal cenário de ampla participação não se encontra apenas aqui, e países da Europa possuem as cooperativas de crédito como principal motor que move a economia. Pautadas por valores e propósitos que não se modificam nas diferentes culturas onde estão presentes, as cooperativas compartilham entre si um objetivo comum: levar melhores oportunidades e garantir uma vida digna para seus clientes e associados.

Mesmo distantes, cooperativas do Brasil e da Europa possuem muito a aprender umas com as outras. Através de iniciativas que já estão em prática, mostram que a intercooperação mundial é a solução para um movimento global ainda mais forte. Mas afinal, como é a realidade do cooperativismo de crédito fora do Brasil?

Panorama

Nas últimas décadas, as cooperativas de crédito se tornaram pilares da vida financeira saudável e autossustentável. Presentes em todas as regiões do país, hoje o movimento representa 9% do sistema financeiro nacional, número que segue em crescimento. Tal expansão vem caminhando mesmo com grandes desafios como a pandemia e a recessão econômica, que pouco impactaram a meta estabelecida pela Agenda Institucional do Cooperativismo, que propõe uma participação de 20% nos próximos 10 anos.

Mesmo com um crescimento contínuo através do tempo, o cooperativismo brasileiro ainda está longe do cenário encontrado na França e Alemanha. Próximas do local de origem do movimento, essas duas nações apresentam um contexto que muitos países buscam alcançar: um ramo crédito forte e predominante.

“Na Alemanha, mais da metade da população é associada ou cliente do cooperativismo financeiro, que tem participação de 17 a 28% em crédito (dependendo do grupo de clientes) e de 18 a 29% em diferentes tipos de depósitos. Na França, os três grupos financeiros cooperativistas detêm mais de 70% da atividade bancária de varejo e o total de associados representa 40% da população”, explica Lúcio Faria, especialista em cooperativismo.

Lúcio Faria, especialista em cooperativismo.

Reunindo um grande número de cooperados e associados, o cooperativismo alemão e francês traz para a realidade um cenário que o Brasil ainda persegue. Hoje, a Crédit Agricole é considerada a maior instituição financeira do mundo, ultrapassando grandes bancos do Brasil. Com quase um século e meio de existência, a instituição é uma força mundial, trazendo impacto positivo para agricultores nos diversos países em que está presente.

Ao analisarmos o contexto brasileiro e seu potencial de crescimento, deve-se levar em consideração diversas variáveis que impactam diretamente o desenvolvimento do ramo crédito no país. Um deles, como Faria destaca, é a magnitude do território nacional. “Para que a comparação não seja tão injusta, temos que ressaltar que aqueles países não têm as dificuldades brasileiras como tamanho territorial e diferença de ocupação e nível de desenvolvimento econômico diferenciado entre regiões”, destaca.

Assim como no Brasil, o cooperativismo europeu apresenta diversas características próprias. Na Alemanha, por exemplo, ele está totalmente conectado a federações, que atuam para que ele funcione de forma plena. “As cooperativas de crédito, lá chamadas de bancos cooperativos, são filiadas às federações regionais de auditoria e também à Federação de Bancos Populares e Bancos Raiffeisen (BVR) como sua federação nacional. Existe apenas um banco cooperativo central. Os bancos cooperativos têm marca única. O conjunto dos bancos cooperativos têm a melhor classificação de todos os grupos financeiros na Alemanha”, frisa.

Indo por outro caminho, a França se estrutura em três grupos: o Crédit Agricole, Grup BPCE (composto principalmente pelas duas redes cooperativas Banques Populaires e Caisses d’Epargne) e Crédit Mutuel; todos eles com atuação fora da França, através do banco de cúpula do sistema ou de subsidiárias. Tanto na Alemanha quanto na França, as cooperativas financeiras atuam com associados e clientes. Desempenhando um importante papel social, o Crédit Coopératif vai além, sendo parceiro premium dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, reforçando o seu papel fundamental para além da atividade financeira.

Desafios e oportunidades

Assim como em outras localidades, o cooperativismo alemão e francês possui diversos desafios. E proporcionalmente, inúmeras oportunidades. Para Faria, Brasil, França e Alemanha possuem um elemento em comum, visto com certa preocupação: o processo de convencimento das autoridades de que o cooperativismo possui diferenciais que requer tratamento diferenciado em relação às outras instituições financeiras.

Neste quesito, Faria destaca que o Brasil possui um contexto favorável às cooperativas, algo que não necessariamente se encontra em outros lugares e que aqui, “joga” a favor das cooperativas. “No Brasil, há um terreno fértil para evolução da normatização do cooperativismo de crédito, que é o acordo de cooperação entre OCB e Banco Central, que permitiu criar um fórum permanente de discussão de temas atinentes ao segmento”, ressalta.

Contudo, mesmo com ecossistemas que se diferem em quesitos como regulamentação e percepção dos órgãos reguladores a respeito do movimento, o sistema de crédito cooperativo possui atributos que os colocam em pé de igualdade, fato que aumenta ainda mais a necessidade de um diálogo entre nações, a respeito da direção que o movimento constrói. “Outros desafios comuns aos três países são a ampliação da concorrência e a necessidade de atrair os jovens e grandes investimentos em digitalização ao mesmo tempo em que são mantidas as formas atuais de atendimento. Do lado das oportunidades, está o fato de que “cooperativas são âncora de estabilidade em tempos de crise”, como muito bem nos foi dito na Federação de Stuttgart”, explica.

Intercooperação para o futuro

Seja no ambiente interno ou externo, a intercooperação tem se firmado como grande componente para o desenvolvimento pleno e contínuo das cooperativas, sejam elas do ramo crédito ou de outros. De olho nessa máxima, instituições e grandes entidades do coop brasileiro tem aumentado os esforços de conectar lideranças nacionais e internacionais, através de iniciativas que buscam uma intensa troca de experiências, visitas técnicas, intercâmbios e outras atividades.

Com foco no diálogo direto entre diferentes players, são inúmeras as ações que têm caminhado por essa direção, com as próprias cooperativas entrando nesse jogo internacional, em prol de um único objetivo: desenvolver o cooperativismo nacional, e assim, trazer mais impacto positivo para as comunidades onde estão presentes.

Para Lucio Faria, mostrar a magnitude das instituições financeiras cooperativas é vital para essa interlocução. Se o objetivo é criar um ecossistema diverso e integrado, estabelecer uma conversa com outros países deve ser o primeiro passo. “O Brasil tem ótimas experiências no cooperativismo financeiro, que devem ser visitadas e replicadas, mas sem dúvida é imprescindível que se troquem informações e experiências com outros países em que o cooperativismo tem mais tempo e sucesso que o nosso”, afirma.

Mais do que isso, concentrar esforços na comunicação é essencial para que tais movimentos tenham o resultado e impacto esperado. É fato que hoje, as cooperativas ainda buscam uma melhor conexão com o seu público, sobretudo com aqueles que ainda não fazem parte de uma cooperativa. Neste aspecto, buscar uma mensuração assertiva dos esforços do setor deve estar na lista de prioridades, criando um contexto conciso, que torne o cooperativismo nacional referência para a Europa e outras partes do globo. Apenas assim, haverá um aumento na visibilidade e participação, de forma que seja possível atingir os objetivos traçados. “É fundamental, em consonância com o princípio da intercooperação, que os resultados de visitas e intercâmbio de experiências seja registrado e divulgado, para alcançar mais pessoas envolvidas com o cooperativismo financeiro”, finaliza.

Fonte: Revista MundoCoop

Bruno Oliveira

Bruno Oliveira

Analista de Comunicação do Sistema OCB/RJ. Formado em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Pós-graduado em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte, MBA em Marketing e Comunicação Empresarial e em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais.

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