Cooperativas são protagonistas da reciclagem de resíduos no Brasil

Quando um resíduo reciclável é descartado, precisa percorrer um longo caminho até chegar a seu destino final. Quando tudo dá certo, ele é reaproveitado e pode se tornar matéria-prima para novos produtos, fechando o ciclo da economia circular. No entanto, quando o processo tem falhas, os recicláveis acabam sendo destruídos porque os catadores — também chamados de agentes de reciclagem — não conseguem separar corretamente o material. E o problema é que isso acontece com muita frequência.

No Distrito Federal, por exemplo, 60% do resíduo reciclável recolhido pelo serviço público de limpeza urbana é descartado porque foi dispensado ou transportado incorretamente. “Mais de 600 toneladas por mês de resíduos entram em nosso complexo de reciclagem, mas não podem ser recuperados por terem sido descartados de forma incorreta, ou seja, junto a resíduo que não é reciclável”, explica Aline Souza, presidente da Central das Cooperativas de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis do Distrito Federal (Centcoop).

Mesmo quando a separação é feita corretamente e os recicláveis são depositados nos locais destinados à coleta seletiva, às vezes os catadores enfrentam problemas de logística. Quando a retirada é feita por caminhões compactadores,  a reciclagem fica inviabilizada porque o material orgânico é misturado com o reciclável.

“Algumas pessoas separam e destinam corretamente na lixeira reciclável, mas outras não”, lamenta Aline. “E esse compactador vai pegar tudo, prensar para otimizar espaço e levar tudo para a cooperativa. Quando chega na cooperativa já vai ter perdido praticamente todo esse material bom por conta dessa mistura”.

Além dos resíduos recolhidos pela empresa pública, a central de cooperativas que Aline dirige também recebe caminhões de coleta seletiva feita porta a porta por cooperativas especializadas. Nesse caso, a taxa de reciclagem é muito maior: acima de 80%.

“Temos cooperativas que já alcançaram 97% de qualidade dos resíduos coletados. São índices totalmente diferentes e com resultados diferentes, o que mostra, de fato, que quem tem capacidade de executar esse serviço de coleta seletiva são as cooperativas”, pondera Aline.

REFERÊNCIA NA AMÉRICA LATINA

Com 17 anos de atuação, a Centcoop tem 22 cooperativas associadas que agregam 1,1 mil catadores de materiais recicláveis, 72% mulheres. Referência entre as cooperativas do setor na América Latina, a central recicla cerca de 12 mil toneladas de resíduos por ano.

Assim como ela, milhares de cooperativas são protagonistas da gestão de resíduos sólidos em todo o Brasil. De acordo com os dados do Anuário Coop 2023, há 92 cooperativas de reciclagem registradas no Sistema OCB, que representam 14% das cooperativas do ramo Trabalho, Produção de Bens e Serviços.

Junto com as associações de catadores, as cooperativas atuam em mais de 1,1 mil municípios brasileiros e foram responsáveis por 35% do volume de resíduos recicláveis coletados nessas localidades em 2021, de acordo com os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).

“Se não fosse o trabalho de reciclagem feito há décadas pelos catadores, já estaríamos em um caos ambiental, com o país abarrotado de lixões e aterros. Quanto mais se recicla e se dá vida útil aos resíduos, mais protegidos e preservados estarão os recursos naturais. A reciclagem está diretamente ligada à preservação da natureza e às mudanças climáticas. Se a gente recicla mais, contamina menos, evita a emissão de CO² [dióxido de carbono, gás que agrava o efeito estufa] na atmosfera”, explica Aline Souza.

CICLO VIRTUOSO

Além dos enormes benefícios ambientais, as cooperativas de recicláveis têm outro papel fundamental: melhorar a vida das pessoas. Quando os catadores se organizam em cooperativas têm acesso a condições de trabalho dignas, renda mais justa e são incluídos em uma cadeia produtiva formal que garante oportunidades e ganho de escala.

“As cooperativas de reciclagem promovem um ciclo virtuoso de desenvolvimento que transforma a atuação de catadores e catadoras, transborda para os negócios e impacta toda comunidade onde estão presentes. Elas contribuem para dignificar o trabalho dos catadores, favorecem a inclusão social e econômica de trabalhadores que, em sua maioria, não são qualificados e estão em situação de vulnerabilidade”, afirma a superintendente do Sistema OCB, Tania Zanella.

No caso da Centcoop, em conjunto com o governo do Distrito Federal, a central de cooperativas gerencia o Complexo Integrado de Reciclagem (CIR), uma estrutura de 80 mil metros quadrados para recepção, triagem, classificação, prensagem, armazenamento e comercialização de materiais recicláveis que beneficia 11 cooperativas e 360 catadores.

Pela relevância para o setor e importância na inclusão social e produtiva dos catadores, as cooperativas estão no centro da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A lei prevê que as coops façam parte dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos e que atuem em parceria com a indústria para iniciativas de logística reversa. Além disso, regulamenta o financiamento para implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O trabalho das cooperativas de reciclagem pode ser ainda mais efetivo se for combinado com melhorias nos sistemas de coleta de resíduos e, principalmente, educação ambiental.

“O correto é a gente pensar em um sistema de coleta que converse com o comportamento social das pessoas quando se trata de descarte de resíduos. Tem que haver a coleta do resíduo reciclável, do orgânico e do rejeito, que é o que vai para aterro sanitário. E é preciso ter instituições distintas para fazer essa logística”, sugere Aline Souza.

Para os cidadãos, a mudança pode começar em casa, com a separação correta dos três tipos de resíduos e o descarte nos locais adequados e dias indicados para coleta seletiva. “Aumentar o índice de reciclagem no país depende de avançar na comunicação com a sociedade sobre o descarte correto dos resíduos, há praticamente zero iniciativas nesse sentido por parte dos governantes e das empresas”, avalia a líder cooperativista.

DA MONTANHA DE RESÍDUOS À FAIXA PRESIDENCIAL

Aline Souza, presidente da Central das Cooperativas de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis do Distrito Federal (Centcoop), foi uma das oito pessoas escolhidas para representar o povo brasileiro na entrega da faixa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante sua cerimônia de posse, em 1° de janeiro de 2023.

De mão em mão, a faixa presidencial passou por um líder indígena, uma cozinheira, um jovem com deficiência, um artesão, um metalúrgico, um professor e um estudante até chegar à Aline, que a colocou no presidente. A imagem deixou a representante dos catadores de recicláveis conhecida em todo o país, mas muito antes da posse, Aline já representava milhares de brasileiros na busca por condições de trabalho mais dignas e renda mais justa por meio de sua atuação no cooperativismo.

Vinda de uma família de catadores, ela lembra dos primeiros dias no trabalho de reciclagem, quando ainda era menor de idade. Sem infraestrutura adequada, os catadores do grupo do qual participava trabalhavam rodeados pelos resíduos.

“Tenho essa imagem de estar trabalhando junto com eles em um morro de material reciclado. E que era quente, muito quente, lembro muito disso. A gente passava mal muitas vezes com o sol na cabeça”, recorda.

Quando a cooperativa Recicla foi criada, em 2006, os catadores passaram a ter melhores condições de trabalho e organização. Nessa época, Aline teve um papel fundamental ao participar de um projeto que ensinou catadores a escrever os próprios nomes para que pudessem assinar o estatuto social da cooperativa.

Quando completou 18 anos, Aline ingressou formalmente na cooperativa. Não demorou muito para o grupo perceber que o trabalho dela seria mais valioso na parte administrativa e de representação. Desde então, ela atuou na regularização de documentos da cooperativa, na articulação com governos para garantir direitos aos trabalhadores e na negociação com empresas para buscar parcerias.

“Também organizava eventos para os catadores e suas famílias. Quando aparecia qualquer oportunidade de cinema, circo ou parque com vouchers doados, buscava para os filhos de catadores. Eram ações que conseguiam incluir os catadores e catadoras e também os filhos”, lembra.

O trabalho para melhorar as condições dos catadores da Recicla e de outras cooperativas levou Aline a ser convidada para fazer parte da direção da Centcoop. Atualmente, está em seu terceiro mandato como diretora-presidente da central de cooperativas.

Fonte: Somos Cooperativismo/Sistema OCB

Richard Hollanda

Richard Hollanda

Analista de Comunicação e Tecnologia do Sistema OCB/RJ. Graduado em Jornalismo pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) e pós-graduado em Administração em Marketing e Comunicação Empresarial pela UVA.

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