As plataformas já se tornaram parte do cotidiano de muita gente e, consequentemente, atores importantes da economia digital. São os aplicativos de transporte, varejo, delivery de comida, comércio de eletrônicos, hospitalidade, streaming, redes sociais e muitos outros.
Ou seja, a variedade de serviços ofertados pelas plataformas digitais é bastante ampla, mas elas têm uma coisa em comum: a coleta e o tratamento de dados para otimizar o serviço. Isto é: as plataformas recolhem informações sobre os usuário tanto para oferecer serviços personalizados a cada perfil quanto para direcionar anúncios segmentados.
Assim, a coleta e o tratamento dos dados ocupam um espaço central no modelo de negócios das plataformas digitais. Em relação aos serviços digitais gratuitos, então, os dados pessoais dos usuários são vitais para o faturamento. O clichê é válido aqui: quando o serviço é gratuito, o usuário é o produto.
Contudo, há um movimento de crescente desconforto em relação à cessão de dados dos usuários. A Pew Research descobriu que mais da metade das pessoas não se sentem confortáveis com a coleta de suas informações pessoais, como dados demográficos, comportamentais e histórico de navegação na internet.
TRANSPARÊNCIA E PORTABILIDADE DE DADOS: A REPOSTA DO COOPERATIVISMO DE PLATAFORMA
O cooperativismo de plataforma é um conceito desenvolvido pelo professor Trebor Scholz, da universidade The New School, em Nova York. A ideia é empregar o cooperativismo e seus princípios para enfrentar a gig economy (economia do bico, ou uberização do trabalho) e seus efeitos na precarização da condição dos trabalhadores.
Esse modelo de negócios busca colocar as cooperativas como protagonistas da nova economia digital, fundamentando as estruturas para um mercado mais justo e compartilhado. Dessa forma, o cooperativismo de plataforma busca integrar a geração de valor econômico e a competitividade sem abrir mãos dos valores éticos para trabalhadores e usuários.
Assim, em seu livro-referência sobre o cooperativismo de plataforma, Scholz enumera dez princípios para guiar o novo modelo. O terceiro item diz respeito justamente a como as cooperativas de plataforma devem trabalhar com os dados.
Para Scholz, o cooperativismo de plataforma deve prezar pela transparência e portabilidade de dados – tanto na coleta quanto no tratamento dessas informações. Neste artigo, iremos explicar estes dois conceitos, falaremos sobre as cooperativas de dados e os elementos que se apresentam no contexto brasileiro. Boa leitura!
TRANSPARÊNCIA E PORTABILIDADE DE DADOS: A RESPOSTA DO COOPERATIVISMO DE PLATAFORMA
Em seu livro, Scholz explica que as cooperativas precisam atuar sempre com transparência, e esse princípio tem de ser aplicado, também, em relação ao manejo de dados dos consumidores:
“Deve haver transparência no modo como os dados são coletados, analisados, estudados e para quem eles são vendidos”, escreve.
Além disso, a transparência é um princípio fundamental para a governança corporativa nas cooperativas. Com isso, as cooperativas devem disponibilizar todas as informações de interesse, e não somente aquilo que é imposto por lei ou regulamentos – desde que respeitando a privacidade dos envolvidos.
LGPD E TRANSPARÊNCIA DE DADOS
A transparência de dados é, ainda, regulamentada pela LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. A legislação preza pelo direito de obtenção de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento de seus dados pessoais por parte de seus titulares.
A LGPD denomina titulares de dados pessoais todas as pessoas físicas a quem os dados se referem. Portando, cada pessoa física é titular de seus dados pessoais. Já os dados pessoais são as informações relacionadas a uma pessoa identificada ou identificável.
Na prática, isso quer dizer que as cooperativas têm a obrigação de direcionar para as pessoas com quem se relaciona informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a utilização dos dados pessoais. Por isso, as informações devem estar em ambientes de fácil acesso, como sites, aplicativos e pontos físicos de atendimento de clientes e associados.
TRANSPARÊNCIA E SEGURANÇA DE DADOS LADO A LADO
Um dos desafios na operação de tratamento de dados diz respeito ao equilíbrio mútuo entre transparência e segurança dos dados. Ao mesmo tempo em que o uso das informações precisa ser transparente, os dados têm que estar protegidos.
Com isso, as plataformas têm de adotar medidas técnicas e administrativas em prol da proteção dos dados pessoais contra acessos não autorizados e vazamentos. Esse tipo de situação gera desconfiança dos usuários, desmobilizando o efeito de rede, fundamental para o sucesso das cooperativas de plataforma.
Assim, além do respeito à legislação, a transparência em toda a operação da coleta e tratamento de dados quanto à segurança das informações pessoais se unem para construir um alicerce ético que sustenta os princípios do cooperativismo de plataforma.
MIDATA: COOPERATIVA DE DADOS MÉDICOS TEM TRANSPARÊNCIA COMO DIFERENCIAL
No Radar da Inovação contamos como a Midata utiliza dados médicos com transparência a favor do bem comum. A proposta da cooperativa suíça é promover a gestão de dados de saúde de pacientes ao redor do planeta.
A Midata opera utilizando recursos e ferramentas intimamente ligados ao movimento de transformação digital impulsionado pelas plataformas, como big data e analytics. Só que a proposta da cooperativa é de atuar na coleta de dados importantes para avanços científicos sem abrir mão da transparência e da soberania de dados.
A plataforma Midata é baseada em um programa de código aberto que trabalha com dados criptografados. Assim, somente titulares de contas de dados têm acesso aos seus dados individuais ao mesmo tempo em que, conjuntamente, eles formam um banco de dados rico e completo.
Com este modelo, os dados obtidos pela Midata foram utilizados, por exemplo, para rastrear o avanço da pandemia de Covid-19 e em pesquisas sobre esclerose múltipla. Veja o artigo completo sobre a cooperativa clicando neste link.
PORTABILIDADE DE DADOS
Outro pilar do cooperativismo de plataforma mencionado pelo professor Trebor Scholz é a portabilidade de dados. De acordo com a definição conferida pelo Information Commissioner’s Office (ICO), o direito à portabilidade de dados diz respeito à permissão de que os titulares obtenham seus dados mantidos pelas plataformas.
Assim, o objetivo desse princípio é de que as pessoas possam acessar suas próprias informações que foram coletadas por uma instituição a fim de utilizá-las em outros serviços. Esse direito também está previsto na LGPD.
A lei garante que o titular possa obter os seus dados pessoais de forma fácil e estruturada para assim transmitir a outro controlador. Assim, por exemplo, um cooperado pode requisitar a portabilidade de seus dados pessoais para cedê-los a outra cooperativa.
OPEN FINANCE
No Brasil, o Open Finance se destaca como principal exemplo prático para o potencial da portabilidade de dados. Trata-se de um sistema aberto com a possibilidade de que clientes de produtos e serviços financeiros compartilhem seus dados pessoais entre diversas instituições. Esse ecossistema é regulamentado pelo Banco Central.
Ou seja: os dados são do usuário, que pode usar a portabilidade para obter melhores condições em serviços financeiros oferecidos pela concorrência. Aliás, muitas cooperativas de crédito já estão presentes na estrutura do Open Finance.
Em um estudo publicado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), os pesquisadores Mario Viola e Patrícia Thomazelli apontam que o Open Finance tem uma lógica de ecossistema calcada na portabilidade de dados. Com isso, novas oportunidades surgem para serviços financeiros de plataforma, argumentam:
- Banking as a platform: instituições financeiras agregam outros serviços digitais promovidos por terceiros, além das atividades bancárias, em seus próprios canais.
- Banking as a service: neste modelo, as instituições financeiras usam interfaces para distribuir serviços financeiros relevantes por meio de canais de terceiros.
Com isso, concluem os pesquisadores, o sistema financeiro aberto, baseado na portabilidade de dados, indica um futuro em que a infraestrutura econômica melhora a proteção de direitos e impulsiona a inovação. “Proteção de dados, portabilidade e interoperabilidade, então, são pontos chave nesse processo”, escrevem.
COOPERATIVAS DE DADOS
O cooperativismo ingressou na economia digital baseada no big data, o que originou as cooperativas de dados. Elas são coops que guardam, agregam, dão contexto e monetizam os dados de seus cooperados. A Midata, que mencionamos acima, é um caso, mas há outros exemplos.
Para entender melhor, veja o caso da Driver’s Seat, que apareceu no nosso Radar da Inovação. A cooperativa criou um serviço para motoristas de aplicativo com a ideia de remunerá-los pelos dados gerados a partir das corridas realizadas. O dinheiro é obtido por meio da venda dessas informações para órgãos públicos, entidades de pesquisa e consultorias.
O diferencial das cooperativas de dados está justamente na transparência e na portabilidade dos dados pessoais coletados. O levantamento de informações é feito com anuência dos cooperados, seguindo regras previamente aprovadas de forma democrática, seguindo os preceitos do cooperativismo.
Outro exemplo que mostramos no Radar da Inovação é a Savvy. Trata-se de uma cooperativa de Nova York que remunera pacientes pelos dados fornecidos para o desenvolvimento de medicamentos e soluções de saúde. Assim, com esse movimento, o cooperativismo contribui para uma economia digital transparente e centrada nos usuários.
Transparência e portabilidade de dados são grandes elementos diferenciais do cooperativismo de plataforma em comparação às grandes corporações de tecnologia. As informações pessoais são muito valiosas – não é por acaso que os dados são considerados o novo petróleo, afinal – e esses fatores estão sendo cada vez mais demandados pela sociedade.
Como consequência, tanto os usuários quanto os entes reguladores estão dando mais atenção para transparência e portabilidade de dados. O maior exemplo disso é justamente a LGPD, que contempla esses dois tópicos e direciona a economia digital brasileira por um caminho mais ético.
Portanto, a LGPD se apresenta como uma regulação imprescindível, mas também um guia para as boas práticas na internet para as cooperativas. Tanto que o Sistema OCB desenvolveu o portal LGPD no Coop, com diversos materiais de apoio para a compreensão e adaptação das cooperativas perante a legislação.
Além disso, publicamos, no InovaCoop, um e-book para ajudar as cooperativas em suas jornadas de adesão à LGPD. Para ler, é só clicar neste link e ficar por dentro dos principais pontos de atenção para implementar a LGPD na sua cooperativa.
Fonte: Inovacoop